28 de maio de 2015

O Término dos Prazos

"Cegamente atado
à tristeza e ao vinho
leio os livros escritos por mim, lembranças
sem brilho, poemas trôpegos
e fotografias azedas
rastros feitos na noite fechada
Olho a ziguezagueante linha errônea
todo eu reduzido à tristeza
e à luz, a luz
que serenamente já não se pode contemplar
a inflamada luz de minha cabeça
e esses clarões de lentidão
sobre o próprio cimento de todas as minhas palavras
à tristeza ligadas, e ao vinho,
e às lufadas de vento negro
que empurram minha poesia para o desencontro.
Eu me vejo todo como um morrer
mais morrente aos trinta anos de amanheceres
e de noites, principalmente, sabendo
que há um automóvel estacionado à porta
de minha exposta casa
e que há um paciente, um indiferente,
um tolo chofer
que me levará à morte.
Assim, entre livros não publicados
e livros nascentes,
entre fotografias e garrafas
e amigos desaparecidos debaixo da terra,
ouvindo o fragor do mundo em chamas espero
o término dos prazos".

SAÚL KOSTIA. Poeta argentino, amigo do contista e romancista Roberto Arlt (1900-1942) e que, ao que parece, exerceu sobre este uma decisiva influência. O poema foi publicado na revista Claridad, em agosto de 1941, acompanhado de um comentário elogioso do próprio Arlt. Como previra em seu poema, Kostia não foi longe e acabou esquecido, ao lado de mais de 95% dos escritores. Esta tradução, de Heloisa Jahn, saiu no volume Nome falso (São Paulo: Iluminuras, 1988), de Ricardo Piglia. (Informações do blog Contramão)

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